terça-feira, 21 de abril de 2009

Promovida pela Vanessa do Fio de Ariadne com o patrocínio da Editora Zahar


Conflitos e Contradições de M. Lobato sobre “raça”, cor, cultura, ambiente e pobreza.


Trouxe-as em resumo, do excelente trabalho "Discurso geográfico sobre o Brasil em Geografia de Dona Benta" da aluna Liz Andréia : GIARETTA, Liz Andréia, Aluna do Mestrado em Geografia IGCE/UNESP Rio Claro – SP, orientada pelo Professor do Dep. Geografia, ANTONIO FILHO, Fadel David.UNESP Rio Claro – SP em



Geografia de Dona Benta foi escrita em 1935, um ano após a implantação dos primeiros cursos de Geografia no país. O título sugere história de maior interesse para o geógrafo, porque trata especificamente da concepção de geografia que Lobato transmitiu às crianças brasileiras. A história tem seu desenrolar com a turma do Sítio (Dona Benta, Tia Nastácia, Emília, Narizinho e Pedrinho, Visconde e Quindim) embarcada no navio “Terror dos Mares” viajando pelo do Brasil e pelo mundo com D. Benta ensinando geografia “na prática”. A viagem ficcional teve início pelos estados brasileiros, e Lobato adotou o critério de mostrar os aspectos socioeconômicos e físicos, enfatizando como os seus habitantes podem explorar os recursos disponíveis para alcançar o progresso. Ele intercala comentários com análises dos problemas que dificultam o progresso e explicações sobre aspectos históricos e turísticos dos lugares visitados. O primeiro estado visitado foi o Rio Grande do Sul. Ao descrever os Pampas e os gaúchos, deixa transparecer a influência em sua visão do mundo das teorias deterministas de que o meio atua na formação de uma “raça”. “ A vida dos homens, em qualquer parte do mundo, depende da terra, e como aqui a terra é sobre tudo composta desses campos, ótimos para a criação de gado, a vida dos homens que habitam o Rio Grande, o Uruguai e a Argentina giram em torno da criação de gado, e o hábito de lidar com o gado deu aos moradores dos Pampas uma fisionomia especial. São homens carnívoros, isto é, que se alimentam quase exclusivamente de carne, e valentes. Os estados do Sul brasileiro, especialmente o Rio Grande do Sul, são considerados por Lobato como os mais promissores do país, devido a seus aspectos físicos e às qualidades da população, composta majoritariamente de “brancos”, que podem levá-los ao desenvolvimento econômico, interpretação advinda de sua postura determinista e darwinista social. -Ah, o Rio Grande do Sul é uma das partes mais importantes, mais ricas e de mais futuro do Brasil. Tem todas as condições de clima e topografia para desenvolver-se cada vez mais. O povo é sadio e corajoso,e entusiasta. Feliz. As culturas são variadíssimas; produz até trigo, e as indústrias se desenvolvem com muita força.” A turma do sítio foi visitar a gelada Antártida. Por meio de D. Benta , Lobato explica o que são os polos e o clima que ali atua. Nesse momento, o escritor avança em sua postura determinista afirmando que, apesar do frio intenso desse continente inóspito, “esse terrível bichinho que é o homem até lá tem conseguido ir.” Depois de visitar a região Sul, a turma do Sítio segue viagem pelo Brasil passando pelo Mato Grosso do Sul, onde D. Benta comenta que o petróleo pode conduzir esse estado ao desenvolvimento. Alerta que a ineficiência de suas vias de transporte pode dificultar o alcance desse desenvolvimento. Por meio de Dona Benta, se refere à política territorial da década de 1930 de construir vias para estabelecer a integração e a unidade nacional, com o intuito de facilitar a migração (mão-de-obra) para as indústrias da região Sul, ocupar os vazios e dinamizar a economia do país, escoando a produção agrícola dos estados centrais. Essa política territorial, mencionada em outros momentos da história, faz parte do projeto de Lobato e da burguesia industrial, de reestruturação do espaço geográfico nacional a fim de conduzir o Brasil ao progresso. Na visita aos Estados Unidos, modelo de sociedade e economia que Lobato queria implantar no Brasil, ele enaltece aquele país pela qualidade e quantidade de vias de transporte especialmente as rodoviárias. Afirma que elas são uma das razões do progresso norte-americano. Nessa perspectiva, elogia São Paulo, descrevendo a impressão das crianças do Sítio quando veem grande quantidade de veículos trafegando pelas rodovias. D. Benta explica do que é feita a gasolina que movimenta os veículos e afirma: -O petróleo é o rei dos combustíveis modernos; só são fortes, ricos e respeitados os países que o possuem. Graças ao petróleo é que os automóveis e aviões existem. Ferro e petróleo: eis os dois elementos básicos da grandeza dos povos modernos. Os Estados Unidos tornaram-se o país mais rico do mundo porque é de todos o que produz mais petróleo. D. Benta louva o estado de São Paulo pelo clima agradável e por ser a locomotiva do país devido à agricultura e à indústria pujantes, à auto-suficiência industrial e à sua população que forma “um núcleo humano dos mais operosos.” Lobato, paulista de nascimento, demonstra seu etnocentrismo ao salientar a ideia de que São Paulo é a locomotiva do país e vai de encontro à política de integração nacional dos anos 1930, que pretendia estabelecer a unidade nacional para reverter a ameaça separatista que pairava em nosso território. De São Paulo, o brigue vai para o Rio de Janeiro; Ali Lobato comenta sua peculiar geografia, especialmente, em relação ao relevo de elevações cobertas de floresta tropical e formações rochosas exóticas, como o Pão de Açúcar e Morro da Urca. Ao mencionar a história e quanto esse estado "sofreu" com a libertação dos escravos, Lobato demonstra resquícios da visão do mundo da burguesia rural cafeeira, classe social de sua origem. O escritor culpa os escravos pelas dificuldades econômicas enfrentadas pelo Rio ao transmitir a ideia de que, com a libertação, eles abandonaram as fazendas, tomadas pelo sapé e pela saúva, pela falta de trabalho dos escravos. Concluiu que, em consequência desse colapso de mão-de-obra para o trabalho nas fazendas, o Rio de Janeiro passou a enfrentar graves dificuldades financeiras. Com essas informações, o escritor camufla a história real do pós-abolição, período em que os fazendeiros não absorveram os escravos recém-libertos como mão-de-obra assalariada em suas fazendas. Porém os fazendeiros abandonaram os ex-escravos sem indenizá-los pelos anos de trabalho e, além disso, desqualificaram-nos como trabalhadores nacionais, e exigiram que o governo trouxesse imigrantes europeus ao Brasil para trabalhar nas fazendas e nas indústrias em ascensão, e pudessem arianizar a população mestiçada e “inferior”. Passaram por Minas Gerais, lá D. Benta comentou ser um grande produtor de ferro, e salienta que sua capital, Belo Horizonte, possui uma invejável organização espacial urbana; entra em foco o Nordeste brasileiro, a começar pelo seu clima. Ele achava que no Nordeste, “o clima é quente e portanto impróprio para as raças brancas que da Europa emigram para a América. Notem que no Sul do Brasil há muitos imigrantes estrangeiros, que vieram e se fixaram em virtude do clima ser mais ou menos o mesmo que de suas pátrias.” Isso ocorreu porque as elites desenvolveram o discurso ideológico de que o clima nordestino era impróprio para a “raça branca”, a fim de trazer maior número de imigrantes para o Sul do país, região onde estavam concentradas as indústrias financiadas pelo capital cafeeiro. Essa estratégia das elites promoveu o desenvolvimento da região Sul em detrimento das demais. Lobato explanando sobre o Nordeste se contradisse ao afirmar que, em toda essa região, o europeu não se fixa com exceção dos portugueses (que também são europeus), “que se fixam em todos os climas do mundo, sejam os mais tórridos da África, sejam os climas gélidos da Terra Nova, lá no Canadá.” O elogio ao povo português é recorrente na Geografia de Dona Benta, quer pela sua capacidade de adaptação em qualquer clima (por ser uma “raça forte”) quer pelo seu empreendedorismo movido pelo desejo de conquistar territórios em todo o mundo. Tinha a visão de superioridade dos portugueses, cujos descendentes compunham nossa aristocracia de procedência ariana e considerada civilizada. Dona Benta fala das secas e das consequências que elas trazem à população nordestina. Ela sugere soluções para amenizar essa problemática, como a irrigação e o aproveitamento comercial do babaçu e critica as autoridades governamentais pela sua inoperância em relação às secas. Lobato transmitiu aos seus leitores a explicação real dos problemas da região Nordeste e apresentou soluções viáveis e coerentes para amenizar as secas que atingem essa região. São essas explicações que revelam a preocupação de Lobato em demonstrar às crianças brasileiras a realidade do país, sem incutir-lhes um discurso patriótico. Ainda sobre o Nordeste, Lobato explica que entraram na formação da população nordestina "os portugueses, o negro e o índio - só. Não houve lá, como no Sul, nenhuma injeção de sangue novo europeu" . Sua concepção ideológica darwinista social está aí demonstrando que o Sul, povoado de descendentes de imigrantes europeus capazes de elevar o Brasil ao progresso, contrastava com o Nordeste povoado de negros e índios que, na concepção dos darwinistas sociais, eram incapazes de qualquer ato civilizatório. Essa divisão do território nacional em dois Brasis, a porção norte atrasada e a porção sul desenvolvida, promovida não só por Lobato, mas pela elite governante brasileira, era um grande entrave à integração do país. Quando a turma do Sítio conhece as terras e as águas amazônicas, Lobato comenta, sobre o clima da região amazônica que “é quente e úmido, o que torna a vida do homem ali uma luta constante contra as doenças e os bichinhos”. Comenta também sobre a imensidão e a importância do rio Amazonas para a população ribeirinha e dá uma longa explanação sobre os recursos existentes em suas águas e na floresta Amazônica. Por fim, afirma que "a Amazônia ainda assusta a gente da “raça branca”. Só o índio nativo lhe suporta o regime de vida" e profetiza com sua visão do mundo progressista e darwinista social que o homem de “raça branca” um dia vai conquistar a Amazônia e transformá-la “na mais maravilhosa das fazendas”. Lobato desconhecia a impropriedade do solo amazônico para a prática da agricultura, e demonstrou a visão utilitária do escritor que apregoou a agricultura praticada pela “raça branca” de explorar as terras amazônicas, e não os recursos da floresta, que garantiria renda às populações ribeirinhas e preservaria essa importante formação vegetal de nosso país. Houve a ausência da preocupação de Lobato em formar uma consciência ambiental nas crianças brasileiras, pois Lobato avalizou a destruição das matas amazônicas. O fato de direcionar essa tarefa aos “brancos” demonstra também a influência darwinista social em seu pensamento. Convém salientar que, em vários momentos da história, Lobato utilizou Tia Nastácia, que viajara no Terror dos Mares assumindo o posto de cozinheira, para criticar o povo brasileiro que, por não ser aberto à modernização, era, ao lado dos fatores econômicos, um dos obstáculos ao progresso do país. Lobato mostra traços de seu racismo, especialmente quando ele se refere aos aspectos somáticos de Tia Nastácia, definidos com termos próprios para animais, no caso, “lábios” por “beiço”. Esse racismo se evidencia porque Tia Nastácia se mostra incapaz de aprender, ao contrário dos personagens “brancos”, que possuem um raciocínio dinâmico. Gouvêa (2005) enfatiza a maneira ambígua com que os personagens negros, a exemplo de Tia Nastácia, foram inseridos na obra infantil lobatiana que também pretendia criar um sentimento de brasilidade para integrar as etnias que formavam a nossa população. A solução encontrada por Lobato para criar esse sentimento, e por outros autores da época, foi inserir os negros nas histórias infantis pelo viés do folclore, valorizando-os em sua oralidade e sabedoria popular. Imbuído das concepções darwinistas sociais, criou esses personagens com mentalidade infantil que os fazia ser ignorantes, supersticiosos, servis e incapazes de assimilar o moderno6. Vasconcellos (1982) também alerta sobre o distanciamento do escritor na análise real dos fatos ao elaborar essa representação do povo brasileiro em sua literatura infantil, em especial, do negro. De acordo com a autora, examinando a história da humanidade é possível verificar que muitos governantes e religiosos “brancos” tiveram dificuldades em assimilar novas invenções e teorias que poderiam ter mudado a interpretação dos fenômenos e o destino do mundo, por serem avessos ao novo e desejarem manter o status quo. Portanto, essa mentalidade obscurantista não é mérito único do povo, mas também das classes dominantes. Da Amazônia, a viagem geográfica da turma do Sítio segue para outros lugares do mundo, nos quais Lobato também apresenta um discurso geográfico essencialmente determinista e ideias pautadas no evolucionismo spenceriano. Conclusões Nas análises realizadas em Geografia de Dona Benta, observamos que, na maioria das vezes, Lobato produziu um texto que se diferencia dos compêndios didáticos nacionais de 6 Em Histórias de Tia Nastácia (1982b, p.110), podemos observar uma crítica de Lobato ao povo e à cultura popular, expressada por meio de Dona Benta: -"Nós não podemos exigir do povo o apuro artístico dos grandes escritores. O povo... Que é o povo? São essas pobres tias velhas, como Nastácia, sem cultura nenhuma, que nem ler sabem e que outra coisa não fazem senão ouvir as histórias de outras criaturas igualmente ignorantes, e passá-las para outros ouvidos, mais adulteradas ainda." Geografia da década de 1930, especialmente, porque não apelou para patriotismos com o intuito de criar “amor à pátria” nas crianças e nem inventariou exaustivamente os aspectos físicos do território brasileiro. Lobato não deixou de mostrar nossas potencialidades às crianças, porém apontou-lhes os problemas brasileiros e a ineficiência de nossos governantes. Influenciado pelo ideário escolanovista, o escritor também inovou na Geografia de Dona Benta quanto à metodologia de ensino, pois buscou dinamizar as aulas de Geografia (no contexto da época) ministradas por Dona Benta, por exemplo, introduzindo o trabalho de campo para observação prática dos fenômenos espaciais, embora tal procedimento tenha se passado no âmbito ficcional. A visão contraditória do mundo de Lobato, forjada no evolucionismo spenceriano, tanto em sua vertente otimista do progresso quanto em sua vertente pessimista, além das ideias deterministas de que o meio condiciona a adaptação das “raças”, está presente com maior ênfase na Geografia de Dona Benta, história que retrata o projeto de nação que Lobato pretendia implantar no país. No entanto, em alguns momentos dessa história, Lobato aproxima-se do instrumental possibilista lablachiano, quando mostra que o ser humano pode transformar o meio utilizando sua inteligência. Essa visão do mundo é observada, em relação ao Brasil, quando Lobato evidencia nosso potencial econômico e energético e apresenta ideias para uma política territorial, ao mesmo tempo em que desvaloriza, explícita ou subliminarmente, o povo brasileiro em sua parcela menos favorecida economicamente, especialmente o negro, embora a elite agrária “branca” tenha sido alvo de suas críticas. Essa contradição também existe no tocante à unidade nacional, quando Lobato enaltece algumas regiões do país em detrimento de outras. O pessimismo de Lobato em relação ao povo brasileiro derivou da influência das teorias racistas em sua visão do mundo, que também caracterizam as interpretações preconceituosas dos negros presentes na história analisada nesse artigo, inaceitáveis na contemporaneidade em uma literatura direcionada às crianças. Nesse sentido, essa história deve ser entendida como testemunho de uma fase de nosso país, na qual o preconceito era transmitido às crianças, elaborando suas concepções a respeito de nossa formação social pluri-étnica. Nesse raciocínio, entendemos também o tratamento dado pelo escritor às questões ambientais presentes na Geografia de Dona Benta. Como representante de seu tempo e da classe dominante, Lobato entendia os recursos da natureza pela ótica utilitarista e, por isso, não se esmerou em formar uma consciência ambiental nas crianças brasileiras. 7 Os compêndios didáticos de Geografia da década de 1930 deixavam de mostrar as mazelas do Brasil com sua população miserável e seus problemas de ordem política para exaltar a grandeza, beleza e riqueza de nosso território habitado por três raças que viviam em harmonia.Logo, essa história de Lobato serve de contraponto para conhecermos as mensagens ideológicas acerca das atitudes em relação ao meio ambiente, transmitidas às crianças no contexto desenvolvimentista do início do século XX. Assim, pudemos verificar que essas mensagens estão em desacordo com a atual e urgente necessidade de preservação do meio ambiente, sendo a educação ambiental direcionada às crianças um dos caminhos para alcançar esse propósito.